Cordão umbilical que ligava a ditadura do Baas ao mundo, Tareq Aziz era considerado o mais aceitável dos membros do círculo próximo do ditador. Este usava-o como prova de laicidade
Era a cara "simpática" do regime sanguinário do Partido Baas, como lhe chamou ontem o El Mundo. Foi durante décadas o rosto público desse regime e a sua principal ligação ao mundo. Tareq Aziz, o único cristão da confiança de Saddam Hussein, foi fiel ao ditador até ao fim. Provavelmente por isso - e apesar dos problemas cardíacos que, segundo o filho, o impedem já de andar -, foi condenado à morte por enforcamento em Bagdad.
Afinal, Aziz passou anos numa prisão americana - não em Cuba, mas no Campo Croper do Iraque - antes de ser transferido para uma cadeia sob responsabilidade das novas autoridades iraquianas, em Julho. Já tinha sido condenado a 15 anos de prisão por "crimes contra a humanidade", num processo sobre a execução de 42 comerciantes em 1992, e a sete anos pelo seu papel nas perseguições contra os curdos de confissão xiita, nos anos 1980. Agora foi condenado pela repressão contra os xiitas de Dujail, uma aldeia a norte de Bagdad onde uma tentativa de assassínio contra Saddam deu origem a um massacre orquestrado pelo regime em 1982, e por ataques contra líderes políticos e religiosos xiitas, a confissão maioritária do país.
Sentença "política"
"Esta decisão prende-se com a repressão contra os partidos e dirigentes religiosos xiitas nos anos 1980, nomeadamente contra Mohammad Baqr Sadr, morto com a sua irmã a 5 de Abril de 1980", disse à agência de notícias AFP Mohammed Abdul-Saheb, porta-voz do Alto Tribunal Penal, criado para julgar os crimes da ditadura.
Sadr fundou o Partido Dawa, dirigido há anos pelo actual primeiro-ministro, o xiita Nouri al-Maliki. Esta condenação "é uma operação de vingança", disse o filho do antigo vice-primeiro-ministro, Ziad Aziz. "É um veredicto político e ilegal. Ele já o esperava, especialmente desde que a Administração dos Estados Unidos o entregou ao Governo iraquiano", afirmou em declarações à Reuters Badie Arif, advogado de Aziz que o representa a partir de Amã, na Jordânia, onde a sua família vive desde a rendição.
Os condenados à morte neste tribunal - ontem foram ainda condenados o antigo ministro do Interior Saadun Shaker e o ex-secretário do ditador, Abid Hamoud - têm um mês para recorrer da sentença. Se a pena capital for confirmada pela justiça, segue-se a aprovação pelo conselho presidencial, constituído pelo Presidente, o curdo Jalal Talabani, e pelos seus dois "vices", um arábe sunita e um árabe xiita. Há então um período de 30 dias para que a pena seja executada.
Aziz, de 74 anos, já teve dois ataques cardíacos e a sua família pediu consecutivas vezes que fosse libertado. Apareceu em tribunal "visivelmente cansado", na descrição da AFP.
Cristão caldeu, nascido Michael Yuhanna numa família pobre de Mossul, licenciou-se em Inglês e começou a trabalhar como jornalista, mas nos anos 1950 já militava no então clandestino Partido Baas e conspirava para derrubar a monarquia que o poder colonial britânico deixara em Bagdad. No final dessa década conheceu Saddam e em breve integraria o seu núcleo duro: era o único cristão desse grupo e um dos muito poucos que não pertencia ao mesmo clã de Tikrit. Como muitos cristãos árabes, acreditou no nacionalismo árabe secular professado pelo Baas e convenceu-se de que esta era a ideologia que o protegeria do islamismo.
Entrou na década de 80 como ministro dos Negócios Estrangeiros e o mundo conheceu-o quando ele viajou de capital em capital para todos convencer das vantagens da guerra contra a República Islâmica do Irão (1980-1988). Em Bagdad, recebeu o enviado de Washington Donald Rumsfeld, em 1980. Um ano depois, Ronald Reagan recebeu-o na Casa Branca para assinar o restabelecimento das relações entre o Iraque e os EUA. Uma década mais tarde, Saddam invade o Kuwait, passando de aliado providencial a inimigo "número um". Aziz terá tido dúvidas sobre a invasão, mas ninguém questionava Saddam.
Apesar do novo estatuto do Iraque no mundo, o cristão que gostava de whisky e de charutos, usava óculos redondos e tinha um bigode peculiar, continuou a viajar e a ser ouvido. A 14 de Fevereiro de 2003 esteve no Vaticano, na sua última missão diplomática em nome de Saddam, o ditador a quem sempre se manteve fiel e que acabou enforcado em Dezembro de 2006