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domingo, 31 de outubro de 2010

Fernanda Torres: ‘Propaganda e marketing’ eleitoral

Andy Warhol

Craque da arte da interpretação, a atriz Fernanda Torres vem se revelando uma observadora arguta do teatro eleitoral de 2010.

Neste domingo (31), dia em que a catarse da platéia vai retirar de cena uma das peças em cartaz, Fernanda lança sobre palco seus olhos de especialista.

Em artigo veiculado na Folha, ela enxerga um quê de teatro infantil na propaganda de Serra. E analisa os vários papéis que levaram Dilma a se perder de si mesma.

Vai abaixo o texto:


“Jamais compreendi o direcionamento populista do marketing de José Serra. No primeiro turno, levei um choque quando assisti a uma cena em que o candidato do PSDB se sentava no sofá de uma senhora singela para ouvi-la falar a respeito de um problema de saúde no olho.
‘Depois desse olho, a senhora perdeu o outro olho?’ Perguntava ele. A enferma, então, ameaçava chorar e Serra abraçava-a com dó, pedindo que não se emocionasse porque, senão, ele se emocionaria junto. Só faltou o violino cigano.
Um especialista em linguagem do corpo afirmou, logo no início do primeiro turno, que o tucano passava a ideia de que sabia do que estava falando, mas não se importava com o próximo. Talvez opiniões como essas tenham-no levado a gravar cenas tão lacrimosas.

Quando Marina deu o segundo turno de presente para a oposição, achei que o populismo seria deixado de lado em prol de uma mensagem mais adulta e objetiva.
Ledo engano.
Serra continuou exalando bondade enquanto abria seu programa de forma sensacionalista, demonizando Dilma e rebatendo com o mesmo dólar furado as acusações de entreguismo feitas ao governo FHC pelo PT.
O público percebe quando está sendo tratado como criança.
Há duas semanas, recebi por e-mail um depoimento contundente postado por Hélio Bicudo via internet. Nele, o bacharel em direito e fundador do PT chamava a atenção para os exageros partidários de Lula, para a ameaça à liberdade de expressão e pedia que a população, por meio de seu voto, se posicionasse contra um partido que coloca seus interesses acima dos da nação.
O time de Serra devia ter poupado o trabalho e transmitido as palavras de Bicudo no ar, em looping, no horário eleitoral.
A equipe de Dilma também fez a caveira dos tucanos, mostrou sua candidata visitando casebres, brincando com o cachorro e conversando com desamparados, mas sempre como pano de fundo.
O grande trunfo do programa do PT -além da luz caprichada, do custo superior e do auxílio luxuoso de Lula- foi uma entrevista extremamente bem produzida em que a candidata petista se dirigia a um arguidor oculto.

Editada de Dilma para a própria Dilma, a peça publicitária lhe dava tempo de exprimir suas ideias sem sofrer com o que parece ser uma dislexia verbal que apresenta em público, de pausar sem que parecesse branco, de não ser agressiva como exigem os debates nem sorridente ‘pede voto’.

A impressão de intimidade, criada com a longa conversa e os silêncios para reflexão, destacava a personalidade grave de Dilma e a ajudava a formar uma imagem de serenidade digna de um presidente.

Em um ano, a ex-ministra foi maternal, severa, irritável, boa, beata, vítima, algoz, seguiu o norte das pesquisas e, perseverante, enfrentou a via crucis eleitoral como poucas vezes se viu na história deste país.

Se as previsões se confirmarem nesta noite de domingo, depois de tantas metamorfoses ambulantes, talvez a própria Dilma descubra com o eleitorado quem é a mulher que hoje se torna presidente".