
Veja o caso dos banqueiros. Ganham dinheiro demais, eis a miséria deles. Ou lucram uma exorbitância ou serão fracassados. São prisioneiros do exorbitante.
Já os brasileiros alcançados pelo acidente de ter nascido pobres só de raro em raro livram-se da exclusão perpétua. São reféns da imprudência genética.
No Brasil dos últimos anos, os companheiros de infortúnio dos banqueiros foram ao Bolsa Família. Assemelha-se ao Bolsa Juros, só que paga menos.
Do cercadinho dos banqueiros ninguém quer sair. Do programa dos sem-banco, ainda que alguém queira, tem dificuldade de achar a saída.
Deve-se à repórter Marta Salomon a divulgação de um lote de dados que ajudam a iluminar o drama.
Salomon retirou-os de uma pesquisa feita por encomenda do Ministério do Desenvolvimento Social.
Muito pobre e subescolarizada, a clientela do Bolsa Família tem dificuldade natural para arranjar emprego.
A sondagem revela: quando arruma ocupação, o sujeito fica pouco. Quando sai, demora a encontrar outra vaga.
Significa dizer que, nos moldes atuais, a chamada “porta de saída” tornou-se um pedaço irrealizável do Bolsa Família.
A maioria dos empregos obtidos pelos beneficiários do Bolsa Família não oferece registro em carteira.
Vem daí que, mesmo entre os que suam a camisa, 75,2% não dispõem de cobertura da Previdência Social.
Na população economicamente ativa do país, o índice de excluídos previdenciários é alto, mas bem menor: 49,8%.
Doutor em estatísticas e consultor do ministério que gere o Bolsa Família, Alexandre Leichsenring resume assim os achados da pesquisa:
“A inserção dos beneficiários do Bolsa Família no mercado formal, quando existe, é bastante precária...”
“...Menos de um ano depois da contratação, metade dos beneficiários é desligada, 30% perderão seus empregos em menos de seis meses...”
“...Fora do mercado de trabalho, menos de 25% são recontratados nos quatro anos seguintes”.
Fica mais fácil entender por que tão poucos brasileiros pendurados ao Bolsa Família devolveram por conta própria os cartões de pagamento.
Na dúvida quanto à possibilidade de caminhar com as próprias pernas, será sempre mais conveniente assegurar o benefício: entre R$ 22 e R$ 200 por família.
Sob Lula, a porta de saída foi, por assim dizer, negligenciada. Sob Dilma Rousseff, o governo se dispõe a enfrentar o problema.
Dilma se autoimpôs o desafio de erradicar a pobreza. Coordenadora do sonho, a ministra Tereza Campello disse coisas assim no discurso de posse:
“Certamente, o maior desafio continua sendo a inclusão produtiva, a geração de oportunidades de geração de emprego e renda...”
“...A gente quer que as famílias possam deixar de precisar do benefício”.
Antes do Plano Real, na Era da superinflação, os bancos tiveram um suprimento regular de sua substância vital: a exorbitância.
Com o fim da inflação lunar, o governo ofereceu-lhes o Bolsa Juros. Trocou-se o exorbitante pelo exagerado.
Continuaram ganhando muito. Ganham demais. Mas a perpectiva de normalidade os asfixia.
Submetidos ao desconforto dos lucros apenas fabulosos, os banqueiros oferecem um fabuloso exemplo aos sem-banco.
A “porta de saída” do Bolsa Família é a conversão dos beneficiários de pessoas físicas miseráveis em pessoas jurídicas do sistema financeiro.