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domingo, 5 de setembro de 2010

FHC e fisco: ‘desfaçatez’ oficial faz o povo de ‘parvo’

Sob Lula, a democracia virou uma ‘casa vazia por dentro’
‘Devassa fiscal de  tucanos  mostra a vacuidade das leis’
‘Altos funcionários tentam elidir do caso questão política’
‘Proclamam que não foi nada não, foi apenas um  balcão’
‘É como se estivessem tratando com um povo de parvos’
‘O que houve com o dossiê contra mim e minha mulher?’
A onda de  ‘desrespeito ocorre sob a batuta presidencial’
‘Chefe da nação virou o chefe de uma facção em  guerra’

  Alan Marques/FolhaComo faz todo primeiro domingo do mês, Fernando Henrique Cardoso veicula neste domingo (5) mais um de seus artigos. Foi impresso em vários jornais do país. No texto, diz que o Brasil vive “uma fase de democracia virtual”.

Não no sentido que o termo adquiriu na era da internet. Socorrendo-se do Aurélio, FHC explica que o “virtual” a que se refere é “algo que existe como faculdade, porém sem exercício ou efeito atual”. Ele esmiúça o raciocínio:

“O edifício da democracia, e mesmo o de muitas instituições econômicas e sociais, está feito no Brasil. A arquitetura é bela, mas, quando alguém bate à porta, a monumentalidade das formas institucionais desfaz-se em um eco que indica estar a casa vazia por dentro”.

O FHC do artigo é bem diferente do FHC que passou a faixa presidencial para Lula, sob a atmosfera amistosa, em 2003. Decorridos oito anos e nove meses, o novo FHC acha que o eco do vazio é tonificado pela “devassa da privacidade fiscal de tucanos e de outras pessoas”.

Um caso que “mostra a vacuidade das leis diante da prática cotidiana”. Faz alusão à entrevista conjunta do secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, e do corregedor do órgão, Antonio Carlos Costa D’Ávila:

“Com a maior desfaçatez do mundo, altos funcionários, tentando elidir a questão política –como se estivessem tratando com um povo de parvos–, proclamam que ‘não foi nada não; apenas um balcão de venda de dados’. E fica o dito pelo não dito, [...] até que o tempo passe e nada aconteça”.

Como exemplo da ação amnésica do tempo, FHC recorda uma passagem que o envolveu na época em que Dilma Rousseff ainda respondia pela Casa Civil: “O que aconteceu com o ‘dossiê’ contra mim e minha mulher feito na Casa Civil da Presidência, misturando dados para fazer crer que também nós nos fartávamos em usar recursos públicos para fins privados?”

Ele próprio responde: De prático, não aconteceu “nada”. Irônico, anota: “Estamos todos felizes no embalo de uma sensação de bonança que deriva de uma boa conjuntura econômica e da solidez das reformas do governo anterior”.

A certa altura, FHC mira diretamente em Lula: “No momento do exercício máximo da soberania popular, o desrespeito ocorre sob a batuta presidencial”. Considera “lógico e saudável que os presidentes e altos dirigentes eleitos tomem partido e se manifestem em eleições”. Porém...

Porém, classifica de “escandalosa a reiteração diária de posturas político-partidárias, dando ao povo a impressão de que o chefe da nação é chefe de uma facção em guerra para arrasar as outras correntes políticas”.

Enxerga “um abismo entre o legítimo apoio aos partidários e o abuso da utilização do prestígio do presidente, que além de pessoal é também institucional, na pugna política diária”. E reitera o discurso do medo, encontradiço nos lábios oposicionistas:

“Na marcha em que vamos, na hipótese de vitória governista –que ainda dá para evitar– incorremos no risco futuro de vivermos uma simulação política ao estilo do PRI mexicano –se o PT conseguir a proeza de ser ‘hegemônico’– ou do peronismo, se mais do que a força de um partido preponderar a figura do líder”.

Acha que “está em jogo nas eleições de outubro” a forma de democracia que o país terá no futuro. Pode ser “oca por dentro ou plena de conteúdo”. Sem mencionar o nome de José Serra, FHC critica a estratégia eleitoral de seu candidato. Para atenuar a reprimenda, expressa-se num plural genérico: “Pode ter havido erros de marketing nas campanhas oposicionistas”.

A seguir, queixa-se, dessa vez em timbre peremptório, da ausência de defesa do legado de sua gestão: “É certo que a oposição se opôs menos do que deveria à usurpação de seus próprios feitos pelos atuais ocupantes do poder”.

A despeito da mudança de tom que o caso da Receita operou na propaganda eleitoral de Serra, FHC escreve como se considerasse que ainda falta tônus à oposição: “Esperneou menos diante dos pequenos assassinatos às instituições que vêm sendo perpetrados há muito tempo, como no caso das quebras reiteradas de sigilos”.

A despeito das pesquisas que antecipam o triunfo iminente da candidata de Lula, FHC acha que “é preciso tentar impedir que os recursos financeiros, políticos e simbólicos reunidos no Grupão do Poder em formação tenham força para destruir não apenas candidaturas, mas um estilo de atuação política que repudia o personalismo”.

Considera “inaceitável” a absorção da tese de que a “vontade geral” possa ser “encapsulada na figura do líder”. Do contrário “não haveria por que criticar Mussolini em seus tempos de glória, ou o Getúlio do Estado Novo”. No último parágrafo, FHC volta a esgrimir o discurso do medo:

“[...] Estamos decidindo se queremos correr o risco de um retrocesso democrático em nome do personalismo paternal (e, amanhã, quem sabe, maternal)”. Avalia que “o governismo, tal como está posto, representa um passo atrás no caminho da institucionalização democrática”. A 30 dias da eleição, crê que “há tempo ainda para derrotá-lo”.