Fábio Pozzebom/ABr

Lula havia se programado para fazer um pronunciamento no domingo. Contadas as urnas, celebraria a vitória ao lado de Dilma Rousseff.
Submetido ao segundo turno, Lula ruminou a surpresa entre quatro paredes. Impôs à platéia um silêncio de quatro arrastados dias.
Nesta quinta (7), de passagem pelo Rio, o patrono de Dilma foi espremido pelos repórteres. Viu-se compelido a mover os lábios.
Soou como se desejasse converter a fase final da sucessão numa guerra de gênero. Algo do tipo testosterona versus estrogênio.
Previu que a maior parte dos votos dados a Marina Silva cairá no colo de Dilma. Por quê? Pela simples razão de ela ser mulher.
Lembrou que, somando-se a performance de Dilma ao desempenho de Marina, chega-se a 67% dos votos válidos.
Acha que o eleitor deixou claro que deseja eleger uma saia. Como Dilma foi ao segundo turno com o homem José Serra, levaria vantagem.
O presidente parece tomar o eleitor brasileiro por tolo. Lula eximiu o brasileiro de pensar.
Dá de barato que o segundo turno não foi produzido para prolongar a comparação de projetos, mas para consagrar uma mulher.
Curiosamente, uma das fragilidades de Dilma é a suposta ausência de luz própria. Viabilizou-se graças ao prestígio de um macho.
Nos fundões do Nordeste, como que condenada a desempenhar papel decorativo, Dilma é chamada de “mulher do Lula”.
Admita-se, para efeito de raciocínio, que Lula esteja certo. Suponha-se que a cena eleitoral está mesmo impregnada por uma difusa demanda por mulher.
Nessa hipótese, a eleição de Dilma nem asseguraria uma chefia dotada de sensibilidade feminina nem representaria a garantia de êxito.
Poucas mulheres tiveram tanto poder no mundo como a ex-primeira ministra britânica Margareth Thatcher. Chamavam-na “dama de ferro”.
No comando, Thatcher era, por assim dizer, mulher-homem. Coisa semelhante sucede com Angela Merkel, na Alemanha. Outra governante macha.
Eleita no vácuo do marido Néstor, a argentina Cristina Kirshner, realiza uma presidência de incertezas, ruínas e atentados à imprensa livre.
Numa Argentina mais remota, Isabelita Perón chegou à Presidência na sombra do marido, Juan Domingo Perón.
Entregou uma gestão que, por caótica, serviu de pretexto para um ciclo de governos militares levado aos livros como um dos mais sanguinários da América Latina.
A própria localização geográfica do Lula desta quinta não oferecia bons presságios. No Rio, Anthony Garotinho foi sucedido pela mulher, Rosinha. Deu no que deu.
Bem verdade que há casos em que a associação da mulher com o poder resultou em boa coisa. A chilena Michele Bachetet, por exemplo.
Bachelet elegeu-se alardeando a condição de mulher. Mas o paralelo talvez não convenha a Lula. Em campanha, Bachelet confessou-se agnóstica.
Algo que não convém a Dilma, que, depois de trocar Marx por Deus, declara-se católica desde criancinha.
Lula, a propósito, preocupou-se em repisar a tecla de que a associação de sua pupila com a defesa do aborto é “jogo sujo”.
"Sofri isso em 89, o submundo da política é assim", disse, evocando a campanha em que Fernando Collor levou à TV o depoimento de Miriam Cordeiro.
Sob holofotes, ela iluminou Lurian, a filha que tivera com Lula. E insinuou que o ex-namorado a aconselhara a fazer um aborto.
Lula disse estar “comemorando” o segundo turno de 2010. Aguarda pelo debate do próximo domingo, na TV Bandeirantes.
Disse que Dilma tem o que mostrar. Melhor assim. Que mostre, então, as idéias que traz sob o penteado feminino.
Marina saboreia um terceiro lugar com gosto de vitória porque fugiu à lógica marqueteira que fez de Serra um pseudooposicionista e de Dilma uma Lula de saias.
Se o eleitor brasileiro valorizasse apenas a condição de mulher, não teria enviado a ex-presidenciável Heloísa Helena a um gueto demarcado por 6% dos votos.








